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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A América do Sul e a Nova Geopolítica

Duas grandes transformações que parecem se acentuar na segunda década do século XXI desafiam os analistas do nosso tempo. A primeira é o fim da concepção de mundo "unipolar", decretado depois da Guerra Fria, pela ideia de mundo "multipolar" e que apresenta os Estados novamente fortalecidos pelo retorno da geopolítica das nações. A segunda indica que o reduzido círculo das potências mundiais, que sempre comandou o jogo internacional, está definitivamente se ampliando com o rápido crescimento dos países emergentes. E nessa movida o Brasil já tem o seu lugar.

Alguns especialistas que há tempos vêm observando essas mudanças na equação capital e poder estão convencidos de que chegou a hora e a vez do fortalecimento de um lado mundo que sempre viveu de sua posição primário-exportador. O Brasil tem um papel central no desenvolvimento de projeto nacional, capaz de projetar a América do Sul nessa nova geografia econômica e política.
É preciso que as pessoas entendam que política externa não é uma política de governo e sim uma política de Estado.
O Estado brasileiro tem um projeto que vem sendo implementado por sucessivos governos. É possível perceber pequenas modificações na maneira de agir e na postura do governo. A política externa no Brasil hoje é a mesma que vinha sendo praticada no governo anterior e decorre de um projeto de inserção internacional do Brasil que se materializa no início do século XXI.
Pode-se afirmar que o Brasil exerce uma liderança em uma região periférica. Somos hoje a principal nação da América do Sul. Quando se observam as relações internacionais, pode-se afirmar que América do Sul não está nas rotas centrais de comércio mundial. Por isso mesmo, é que se afirmar que o Brasil exerce uma posição periférica. Mas o Brasil, dentro desse contexto de liderança, tem a possibilidade de se estruturar com os demais países que estão no espaço central por exercer grande influência nos negócios do mundo.
Para o Brasil, é melhor articular esse processo a não ter voz e ter que trabalhar de maneira subserviente para as potências centrais. Dentro desse paradigma, a política externa do Brasil privilegia, com êxito, os espaços chamados não centrais, as chamadas potências emergentes.
Esse contexto tem sido explorado pelo Brasil, na medida em que, nos últimos dez anos, tem-se notado uma atuação mais incisiva em relação aos países emergentes. Tais ações, somadas a outras políticas estatais, tem sustentado o crescimento de nossa economia. Isso comprova que o Brasil vem tendo um papel relevante no cenário econômico e político deste início de século XXI.
Se se considerarem os padrões econômicos, pode-se afirmar que toda ação humana está submetida a um triângulo, cujos vértices são: a) o que fazer [que é a política]; b) o como fazer [que é a estratégia]; e c) o com que meios fazer [que é o poder].
O homem se distingue dos demais seres vivos por ser dotado de dois atributos – vontade e razão. Tais prerrogativas possibilitam ao ser humano praticar a intervenção no real. E, conforme visto anteriormente, as ações humanas, de acordo com a economia, são pautadas pelos três vértices vistos anteriormente.
Sendo assim, qualquer intervenção responde ao que fazer, e, para ser feita, vem o seu modo de fazer – que é a estratégia – e os meios utilizados para fazer que é o poder. Por isso, quando se busca inserir ou inserir-se em qualquer contexto, está-se praticando uma intervenção, pois a busca de inserção é fruto de uma vontade ou razão ou a conjugação das duas. É importante entender isso porque o que se dá no plano individual se dá no plano coletivo. Ou seja, quando um país se insere no plano internacional ele está praticando uma intervenção. É uma ligação da política, com a estratégia e com o poder.
Quanto maior o poder, maior a capacidade que se tem de intervir. Qual o problema central do Brasil? É o mesmo problema com que se defrontou a península ibérica no século XV. A Península Ibérica estava apartada das rotas centrais do comércio mundial. A América do Sul está apartada das centrais do comércio mundial. As principais rotas estão no hemisfério norte. Nós somos periféricos nas rotas comerciais, assim como a Península Ibérica era no século XV. Mas houve um projeto, que foi a Expansão Marítima, que levou ao processo de colonização e à mundialização. A América do Sul precisa construir um projeto semelhante. Principalmente o Brasil, que necessita ter acesso ao Oceano Pacífico. O Brasil tem um peso específico capaz de deslocar para uma posição de inserção no mundo, mas se o fizer sem os outros, estes estarão completamente desassistidos.
É necessário que se estruture esse processo para poder preservá-los e ajudá-los.
A grande questão é como fazer isso. Diferentemente da questão europeia, se considerarmos o PIB da Alemanha e da França que são os dois maiores da União Europeia, veremos que eles representam mais de um terço do PIB da União Europeia. São 27 nações ao todo e com isso percebe-se que a desigualdade não é tão gritante. Mas o caso do Brasil é bem diferente.
Representamos mais da metade do PIB da América do Sul. A assimetria é brutal. O Brasil tem de adotar uma política de solidariedade com os demais países, tem que ser fraterno e justo com os outros.
A opinião pública no Brasil acredita que somos um país subdesenvolvido, que necessitamos do auxílio de outros e não podemos auxiliar ninguém. Muitos ainda não entenderam que somos a 7ª economia do mundo. O Brasil é diferente do que era há 15 anos. Apesar do contexto da crise econômica e política em 2015, o país está ficando rico, pois mudou muito depressa nessa última década. Nos últimos seis anos foram colocados 28 milhões de indivíduos no mercado de consumo. Ou seja, foram colocados três “portugais” no mercado de consumo. O processo de acumulação de riqueza no Brasil é grande. Nas relações comerciais do Brasil com os vizinhos, temos uma balança comercial superavitária, o que demonstra a fragilidade das economias dos países vizinhos, principalmente a Argentina. A Argentina depende muito mais do Brasil do que o Brasil dela.
A América do Sul não é mais considerada uma área vital para os Estados Unidos, razão pela qual o Brasil tem condições de estruturar esse processo no continente. Com o desinteresse dos Estados Unidos, o Brasil assumiu um lugar preponderante. O problema é que China também quer um espaço maior no comércio mundial e tem caminhado em direção à América do Sul, objetivando fazer aqui o que fez na África. Os chineses veem a América do Sul como fornecedor de matéria prima para suas necessidades. Percebeu que há espaço para investir e explorar. No ano de 2013, de tudo que os países sul-americanos (exceto Brasil) compraram, 17,4% vieram do gigante asiático, quase seis pontos percentuais mais que em 2007 e três pontos acima de 2010, mostrando avanço constante. O resultado é que a participação brasileira nas compras dos países vizinhos ficou em 11,7% do total do ano de 2013 – a fatia havia sido de 14,2% em 2010.
Para o Brasil colocar seus produtos na América do Sul, tem-se uma vantagem. Enquanto que os outros precisam deslocar seus produtos para o continente (e isso custa caro), nós não precisamos fazer isso.
Os chineses sabem disso, mas eles têm uma política vocacionada de ser a fábrica do mundo. Eles produzem para atender o mundo. E, para fazer isso, o governo chinês adota todas as medidas necessárias para alcançar seus objetivos.
A América do Sul passou a ter uma postura de defesa mais estruturada de seus interesses. Cada país, à sua maneira vem defendendo seus interesses. Isso ajuda e atrapalha o Brasil. Nos ajuda porque demonstra que os interesses locais serão preservados e como somos a principal potência da região, buscam que nós sejamos mais generosos com eles. Mas às vezes, os interesses de cada país podem se contrapor aos nossos.
A América do Sul tem uma posição geográfica favorável que lhe permite não ficar subjugada aos interesses da Europa, EUA ou China. É preciso entender que a vez da América do Sul chegou e o continente tem condições de ajudar no processo de estruturação da mundialização do comércio, da cultura e política. É a vez de o Brasil concretizar as previsões que no passado diziam que seríamos uma potência mundial.

Sérgio L. Barbosa é professor de História Geral do Percurso Pré-vestibular e Enem.


FONTE: Programa Milênio: entrevista do economista, professor da UFRJ e presidente da Câmara de Comércio e Indústria da América do Sul. Darc Costa.

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