Duas grandes transformações que parecem se
acentuar na segunda década do século XXI desafiam os analistas do nosso tempo.
A primeira é o fim da concepção de mundo "unipolar", decretado depois
da Guerra Fria, pela ideia de mundo "multipolar" e que apresenta os
Estados novamente fortalecidos pelo retorno da geopolítica das nações. A
segunda indica que o reduzido círculo das potências mundiais, que sempre
comandou o jogo internacional, está definitivamente se ampliando com o rápido
crescimento dos países emergentes. E nessa movida o Brasil já tem o seu lugar.
Alguns especialistas que há
tempos vêm observando essas mudanças na equação capital e poder estão
convencidos de que chegou a hora e a vez do fortalecimento de um lado mundo que
sempre viveu de sua posição primário-exportador. O Brasil tem um papel central
no desenvolvimento de projeto nacional, capaz de projetar a América do Sul
nessa nova geografia econômica e política.
É preciso que as pessoas entendam que política
externa não é uma política de governo e sim uma política de Estado.
O Estado brasileiro tem um projeto que vem
sendo implementado por sucessivos governos. É possível perceber pequenas
modificações na maneira de agir e na postura do governo. A política externa no
Brasil hoje é a mesma que vinha sendo praticada no governo anterior e decorre
de um projeto de inserção internacional do Brasil que se materializa no início
do século XXI.
Pode-se afirmar que o Brasil exerce uma
liderança em uma região periférica. Somos hoje a principal nação da América do
Sul. Quando se observam as relações internacionais, pode-se afirmar que América
do Sul não está nas rotas centrais de comércio mundial. Por isso mesmo, é que
se afirmar que o Brasil exerce uma posição periférica. Mas o Brasil, dentro
desse contexto de liderança, tem a possibilidade de se estruturar com os demais
países que estão no espaço central por exercer grande influência nos negócios
do mundo.
Para o Brasil, é melhor articular esse processo
a não ter voz e ter que trabalhar de maneira subserviente para as potências
centrais. Dentro desse paradigma, a política externa do Brasil privilegia, com
êxito, os espaços chamados não centrais, as chamadas potências emergentes.
Esse contexto tem sido explorado pelo Brasil,
na medida em que, nos últimos dez anos, tem-se notado uma atuação mais incisiva
em relação aos países emergentes. Tais ações, somadas a outras políticas
estatais, tem sustentado o crescimento de nossa economia. Isso comprova que o
Brasil vem tendo um papel relevante no cenário econômico e político deste
início de século XXI.
Se se considerarem os padrões econômicos,
pode-se afirmar que toda ação humana está submetida a um triângulo, cujos vértices
são: a) o que fazer [que é a política]; b) o como fazer [que é a estratégia]; e
c) o com que meios fazer [que é o poder].
O homem se distingue dos demais seres vivos por
ser dotado de dois atributos – vontade e razão. Tais prerrogativas possibilitam
ao ser humano praticar a intervenção no real. E, conforme visto anteriormente,
as ações humanas, de acordo com a economia, são pautadas pelos três vértices
vistos anteriormente.
Sendo assim, qualquer intervenção responde ao
que fazer, e, para ser feita, vem o seu modo de fazer – que é a estratégia – e
os meios utilizados para fazer que é o poder. Por isso, quando se busca inserir
ou inserir-se em qualquer contexto, está-se praticando uma intervenção, pois a
busca de inserção é fruto de uma vontade ou razão ou a conjugação das duas. É
importante entender isso porque o que se dá no plano individual se dá no plano
coletivo. Ou seja, quando um país se insere no plano internacional ele está
praticando uma intervenção. É uma ligação da política, com a estratégia e com o
poder.
Quanto maior o poder, maior a capacidade que se
tem de intervir. Qual o problema central do Brasil? É o mesmo problema com que
se defrontou a península ibérica no século XV. A Península Ibérica estava
apartada das rotas centrais do comércio mundial. A América do Sul está apartada
das centrais do comércio mundial. As principais rotas estão no hemisfério
norte. Nós somos periféricos nas rotas comerciais, assim como a Península
Ibérica era no século XV. Mas houve um projeto, que foi a Expansão Marítima,
que levou ao processo de colonização e à mundialização. A América do Sul
precisa construir um projeto semelhante. Principalmente o Brasil, que necessita
ter acesso ao Oceano Pacífico. O Brasil tem um peso específico capaz de
deslocar para uma posição de inserção no mundo, mas se o fizer sem os outros,
estes estarão completamente desassistidos.
É necessário que se estruture esse processo
para poder preservá-los e ajudá-los.
A grande questão é como fazer isso.
Diferentemente da questão europeia, se considerarmos o PIB da Alemanha e da
França que são os dois maiores da União Europeia, veremos que eles representam
mais de um terço do PIB da União Europeia. São 27 nações ao todo e com isso
percebe-se que a desigualdade não é tão gritante. Mas o caso do Brasil é bem
diferente.
Representamos mais da metade do PIB da América
do Sul. A assimetria é brutal. O Brasil tem de adotar uma política de
solidariedade com os demais países, tem que ser fraterno e justo com os outros.
A opinião pública no Brasil acredita que somos
um país subdesenvolvido, que necessitamos do auxílio de outros e não podemos
auxiliar ninguém. Muitos ainda não entenderam que somos a 7ª economia do mundo.
O Brasil é diferente do que era há 15 anos. Apesar do contexto da crise
econômica e política em 2015, o país está ficando rico, pois mudou muito
depressa nessa última década. Nos últimos seis anos foram colocados 28 milhões
de indivíduos no mercado de consumo. Ou seja, foram colocados três “portugais”
no mercado de consumo. O processo de acumulação de riqueza no Brasil é grande.
Nas relações comerciais do Brasil com os vizinhos, temos uma balança comercial
superavitária, o que demonstra a fragilidade das economias dos países vizinhos,
principalmente a Argentina. A Argentina depende muito mais do Brasil do que o
Brasil dela.
A América do Sul não é mais considerada uma
área vital para os Estados Unidos, razão pela qual o Brasil tem condições de
estruturar esse processo no continente. Com o desinteresse dos Estados Unidos,
o Brasil assumiu um lugar preponderante. O problema é que China também quer um
espaço maior no comércio mundial e tem caminhado em direção à América do Sul,
objetivando fazer aqui o que fez na África. Os chineses veem a América do Sul
como fornecedor de matéria prima para suas necessidades. Percebeu que há espaço
para investir e explorar. No ano de 2013, de tudo que os países sul-americanos
(exceto Brasil) compraram, 17,4% vieram do gigante asiático, quase seis pontos
percentuais mais que em 2007 e três pontos acima de 2010, mostrando avanço
constante. O resultado é que a participação brasileira nas compras dos países
vizinhos ficou em 11,7% do total do ano de 2013 – a fatia havia sido de 14,2%
em 2010.
Para o Brasil colocar seus produtos na América
do Sul, tem-se uma vantagem. Enquanto que os outros precisam deslocar seus
produtos para o continente (e isso custa caro), nós não precisamos fazer isso.
Os chineses sabem disso, mas eles têm uma
política vocacionada de ser a fábrica do mundo. Eles produzem para atender o
mundo. E, para fazer isso, o governo chinês adota todas as medidas necessárias
para alcançar seus objetivos.
A América do Sul passou a ter uma postura de
defesa mais estruturada de seus interesses. Cada país, à sua maneira vem
defendendo seus interesses. Isso ajuda e atrapalha o Brasil. Nos ajuda porque
demonstra que os interesses locais serão preservados e como somos a principal
potência da região, buscam que nós sejamos mais generosos com eles. Mas às
vezes, os interesses de cada país podem se contrapor aos nossos.
A América do Sul tem uma posição geográfica
favorável que lhe permite não ficar subjugada aos interesses da Europa, EUA ou
China. É preciso entender que a vez da América do Sul chegou e o continente tem
condições de ajudar no processo de estruturação da mundialização do comércio,
da cultura e política. É a vez de o Brasil concretizar as previsões que no passado
diziam que seríamos uma potência mundial.
FONTE: Programa Milênio: entrevista do economista, professor
da UFRJ e presidente da Câmara de Comércio e Indústria da América do Sul. Darc
Costa.